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Tornar mais eficaz a competência do CGI.br nos assuntos relativos à internet

  • Número: 16
  • Eixo: Competências do CGI.br
  • Autoria: Ruy Sardinha Lopes
  • Estado: São Paulo
  • Organização: Federação Brasileira das Associações Acadêmicas e Científicas de Comunicação - SOCICOM
  • Setor: Comunidade Científica e Tecnológica
  • Palavras Chaves: competências, regulação

Resumo

O artigo 1º do decreto 4.829/2003 (ou o decreto que vier a substituí-lo) passa a ter a seguinte redação: Artº 1º [mantido o texto original do caput] ... V – estabelecer normas e procedimentos relativos à regulamentação das atividades inerentes à Internet ou que funcionem necessariamente sobre a, ou através da Internet; VI – acionar diretamente os órgãos de Governo ou de Estado legalmente competentes, nos termos da Constituição, da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) ou legislação dela derivada, e demais leis brasileiras, sempre que a soberania jurisdicional brasileira ou a segurança nacional possam estar sendo questionadas ou infringidas por atividades que funcionam sobre a, ou através da Internet; ... Parágrafo único: caberá aos órgãos de Governo ou de Estado legalmente competentes, uma vez acionados pelo Poder Executivo, nos limites das competências deste, adotarem as medidas cabíveis para fazer cumprir as determinações e orientações do CGI

Documento

1. O largo e intensivo uso da internet por bilhões de pessoas em todo o mundo e mais de 100 milhões, no Brasil, faz dessa tecnologia e serviços um serviço essencial para a economia, os negócios, a política, a cultura, a vida cotidiana. Como serviço essencial, a regulação da internet no Brasil deveria caminhar para declará-la um serviço público e ser regulada como tal.

2. A internet está sob controle de um pequeno grupo de gigantescas corporações empresariais, a maioria e as mais poderosas sediadas nos Estados Unidos: Google/YouTube, Facebook/WhatsApp, Amazon e Apple, conhecidas por GAFA. Cerca de 70%, em média, do capital social dessas corporações é detido por instituições financeiras que assim determinam as suas políticas voltadas essencialmente para o lucro financeiro, não para o bem-estar social ou os direitos da cidadania e dos indivíduos. Porém, o acesso prático, real, de milhões de pessoas à internet se dá através dessas plataformas ou seus aplicativos e, em grande parte do tempo, as pessoas permanecem no interior delas quando pensam estar usando a internet. Essas plataformas (não raro também denominadas, não por acaso, "market place", ou praças de mercado) têm demonstrado, em todo o mundo, enorme poder para orientar ou condicionar decisões individuais ou coletivas, sejam de compras, negócios e atividades profissionais, sejam de lazer e até mesmo políticas.

 3. Alguns governos, sobretudo europeus, vêm demonstrando crescente preocupação com o excessivo poder econômico e político daquelas plataformas e começam a aprovar leis ou regulamentos que limitem esses poderes. Não raro, a efetividade dessas leis esbarra no desenho tecnológico distribuído da internet, convenientemente elaborado para subtraí-la da soberania dos Estados nacionais, a exceção da soberania do Estado dos Estados Unidos.

4. Os esboços regulatórios da União Européia visam os serviços oligopolizados oferecidos pelo GAFA e outras plataformas sobre a internet. Isto é, a internet propriamente dita é uma infra-estrutura tecnológica constituída por redes, servidores e provedores de acesso, protocolos lógicos etc., sobre a qual, mas imbricadas na qual, operam o GAFA e outras plataformas (Neflix, Uber, Airbnb, Alibaba, TripAdvisor etc.). Trata-se pois de distinguir:

i) a infra-estrutura tecnológica e lógica da internet;

ii) as plataformas de serviços e conteúdos que se servem dessa infra-estrutura.

5. Sem distinguir a internet propriamente dita das plataformas, serviços e conteúdos que se servem da internet, a internet cairá cada vez mais sob o controle do GAFA e outras poucas corporações financeiras similares. A chamada "neutralidade de rede" que apenas distingue as redes e serviços tradicionalmente definidos como "telecomunicações", dos sistemas lógicos, serviços e conteúdos que constituem a Internet, atende sobretudo aos interesses do GAFA e plataformas similares. Há que estabelecer um princípio de neutralidade que efetivamente distinga a internet enquanto uma infra-estrutura lógica transnacional, dos serviços e conteúdos que se servem dela, sobretudo e principalmente esses oligopolizados pelo GAFA e plataformas similares.

6. Através da internet e, nela, do GAFA, o governo dos Estados Unidos e seus serviços de segurança exercem um extraordinário controle e vigilância sobre a vida de bilhões de pessoas em todo o mundo, conforme foi demonstrado por Edward Snowden. A internet reforça assim o sistema mundial de poder centrado nos Estados Unidos, como também tornou-se um camuflado e muito eficaz sistema de drenagem de trabalho e recursos econômico-financeiros de outros países para os Estados Unidos.

 7. Todas essas determinações econômicas, políticas e geopolíticas assim consideradas exigem que o Brasil seja dotado de uma instituição com poderes correspondentemente fortes para assegurar os direitos públicos, como liberdade de expressão e privacidade entre outros, inclusive também a livre concorrência, que estão sendo progressivamente controlados ou monopolizados pelo GAFA e outras plataformas financeiras. Por óbvio, a construção dessa instituição será um processo longo que ainda exigirá muita pesquisa e muito debate. A internet é um fenômeno econômico e político novo, ainda pouco compreendido em suas muitas implicações. Mas, desde já, pode-se entender o CGI.br como um núcleo já existente e consolidado em condições de evoluir para a constituir-se no centro de uma futura moldura regulatória.

8. Os recursos do CGI são de origem e gestão rigorosamente privados. Mas a sua instituição se deve a decreto presidencial, dando-lhe pois uma natureza semi-pública e semi-privada. Não tem poderes públicos para executar ou fiscalizar a implementação das leis, dentre estas o Marco Civil da Internet. Mas pode ser um braço do Poder Executivo no sentido de acionar outros poderes e agências para que façam cumprir a lei, com a grande vantagem de a sua composição multissetorial fazer dele também um instrumento do conjunto da sociedade para formular decisões democráticas e transparentes em conjunto com os representantes do Governo.

9. A proposta apresentada visa assim clarear essa competência do CGI para tornar imperativa suas decisões nos limites, embora, das próprias responsabilidades e competências do Poder Executivo, nos termos da Constituição brasileira. Essa proposta busca fortalecer as condições de o CGI.br exercer as competências a ele dadas pelo Marco Civil da Internet (Lei 12.965, Artº 24, item II).